domingo, 9 de março de 2008

Entrevista


Prazer, Verissimo

Mais de 60 livros, memoráveis incursões no jornalismo, uma carreira premiada na publicidade, uma banda de jazz e uma vontade incontrolável de observar o dia-a-dia e transformar suas anotações em textos divertidos e espirituosos, que agradam desde o leitor iniciante até o grande conhecedor de literatura. Esse é o saldo dos 70 anos (comemorados em 25 de setembro de 2006) de Luis Fernando Verissimo, que é, provavelmente, o escritor mais popular e um dos mais respeitados do Brasil. A verdade é que ele é, acima de tudo, uma pessoa feliz: “tive uma infância muito boa, pais fantásticos, consegui formar uma família formidável e faço o que gosto, inclusive na música. Acho que soube aproveitar a vida sim.” Contrariando a fama de tímido, ele aproveitou sua visita à sede do portal, em Curitiba, para bater um longo e animado papo com nossa equipe e contar um pouco da origem de toda essa felicidade e sucesso. A impressão que fica da conversa é que ele é um homem “bem vivido”, em todos os sentidos — tem a sabedoria típica do homem experiente e desfruta cada minuto da vida com muito prazer.

Seu site traz informações sobre O Patentino, um jornal que você editou quando criança. O que você teria a contar sobre essa experiência? E o nome “Patentino”, de onde vem?
É engraçado que sempre que alguém me pergunta sobre meu início no jornalismo, falo sobre quando já tinha 30 anos. Nunca me lembro do Patentino, que foi realmente uma experiência com a “imprensa”. Eu, minha irmã e meu primo tivemos a idéia de fazer um jornal em casa, batido à máquina e preso ao lado da privada. No Rio Grande do Sul, chama-se privada de patente. Fazíamos comentários sobre os acontecimentos da casa e família e criticávamos todo mundo. Era um jornal combativo, durou pouco tempo, mas foi minha primeira experiência jornalística. Lembro de um amigo da família que foi lá em casa, viu o Patentino, ficou maravilhado e mandou fazer um carimbo, que virou o cabeçalho do jornal.
Eu era garoto, tinha 13 ou 14 anos. Não ficou nada daquela época no meu trabalho atual. Eu até gostaria de rever o Patentino.
Como foi conviver com um pai escritor?
Durante muito tempo, tive dificuldade para explicar aos meus colegas e amigos o que meu pai fazia. Naquela época, a profissão de escritor não existia no Brasil — até hoje não existe. “O cara fica inventando histórias? O que é isso? Deve ser um vagabundo.”
Comecei a acompanhar a literatura cedo, “vendo” os livros infantis e, depois aprendi, lendo. O primeiro livro adulto que li foi Caminhos cruzados. Tive que ler escondido, porque havia “cenas fortes” nele, como se dizia na época.
Lembro de ver meu pai escrevendo O tempo e o vento quando eu tinha uns 12 ou 13 anos. Ele trabalhava na mesa da sala de jantar e, em alguns casos, corrigia os próprios textos. Li muitos trechos no momento em que saíram da máquina de escrever. Fui sempre um grande leitor e admirador dele. Foi bom conviver com ele e os amigos e viver em uma casa que tinha livros, que eram tidos como algo muito importante.
Além da paixão pela leitura, você é apaixonado por música, especialmente pelo jazz...
Sim, sempre gostei muito de música: americana, brasileira, mas, principalmente, o jazz. Meu grande ídolo da adolescência foi Louis Armstrong, que tocava trompete. Passei quatro anos nos Estados Unidos com meu pai, que foi trabalhar na Organização dos Estados Americanos (OEA), e decidi que, como estava na terra do Jazz, iria aproveitar para aprender a tocar algum instrumento. Eu queria aprender trompete, o instrumento do Louis Armstrong, só que o curso de música que eu fazia não tinha um para me emprestar. Havia um saxofone, então foi ele mesmo. Nunca me aprofundei, mas dá para brincar de músico, o que faço até hoje no Jazz 6, a banda em que toco.
Ficamos nos EUA de 1953 a 1956, em Washington, mas eu ia muito a Nova Iorque, principalmente nos feriadões. Achava um hotel barato e ficava lá, visitando os clubes de jazz. Na verdade, eu ainda não tinha idade para freqüentar esses lugares, mas, como já tinha cara de adulto, conseguia entrar. Numa dessas vezes, vi Charlie Parker, o grande gênio do jazz, e Dizzie Gilespie tocarem no Birdland. Foi uma experiência marcante que lembro claramente até hoje, embora não soubesse muito bem o que tinha ouvido naquela noite. Depois que comecei a gostar do jazz mais moderno me dei conta do que havia presenciado.
Falando em viagens, como foi trabalhar com a série Traçando, em que você retrata algumas de suas cidades favoritas?
A idéia de fazer a série foi do Joaquim da Fonseca, ilustrador dos livros, que tinha passado uma temporada em Nova Iorque justamente na época em que eu estive por lá. Ele havia feito um caderno de desenhos e anotações sobre a cidade e teve a idéia de produzir um livro com esse material, batalhando por isso durante 10 anos, até que uma editora se interessou por ela. Na época, eu mandava textos de Nova Iorque para um jornal daqui. Então saiu o Traçando Nova Iorque, o primeiro livro da série. Os posteriores foram desenvolvidos de modos diferentes, por exemplo: eu tinha textos sobre Roma, então o Joaquim foi pra lá fazer os desenhos para o Traçando Roma. Para o Traçando Madri fomos à Espanha e depois ao Japão, nesse caso a convite do governo japonês. Foi um projeto que gostei muito de fazer, mas com o qual não pretendo continuar, pelo menos por enquanto.
Quais são seus próximos planos?
Acabei de escrever um romance, parte de uma série de uma editora que chamou três autores para fazer romances com base em comédias de Shakespeare. Já saíram o do Jorge Furtado e o da Adriana Falcão e o último será meu, baseado em Noite de Reis, para o fim do ano. Ele deve se chamar A 12ª Noite.
Você é conhecido por falar pouco e ser introvertido. Como explicar tanta desenvoltura pra escrever e ser compreendido por um público tão diversificado?
Não sei qual é a fórmula. Pode ser um tipo de compensação: tenho dificuldade de me expressar em uma forma e facilidade em outra. Comecei a escrever tarde, depois dos 30 anos, mas já sabia como fazer porque tinha lido muito. Até então, não pensava em ser escritor ou jornalista. Normalmente escrevo textos curtos, de fácil leitura, talvez por isso tanta gente goste. É bom saber que grande parte do meu público, possivelmente a maioria dele, seja formada por jovens.
A velhinha de Taubaté ainda está viva?
Não (risos). Ela se desencantou tanto com a política e as revelações de corrupção do último governo, que passou a não acreditar em mais nada e morreu de desgosto.
A impressão que se tem é que você é uma pessoa que sabe aproveitar a vida. Parecem ter sido 70 anos muito felizes.
Acho que sim. Apesar de ser bastante introvertido e ter essa dificuldade de me comunicar com outras pessoas, algo que me atrapalha bastante, não posso me queixar da vida. Tive uma infância muito boa, pais fantásticos, consegui formar uma família formidável e faço o que gosto, inclusive na música. Acho que sei aproveitar a vida sim. Estou chegando aos 70 anos e, às vezes, acho que estou chegando ao fim. Mas, até agora, foram 70 anos bem aproveitados.

Por César Munhoz
(retirado do site www.educacional.com.br)

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O Chargista

Goiânia, GO, Brazil
Levo minha profissão muito a sério. Assim como a vida e seus desafios.